Atualmente a prática regular de exercícios físicos vem sendo considerada como um dos métodos mais eficazes tanto para a prevenção de doenças, quanto para a manutenção e promoção da saúde1 Essa eficácia, para ser alcançada, deve obedecer a certos fundamentos do treinamento físico, deixando assim, de ser uma atividade meramente usual para tornar-se uma prática organizada, com objetivos pré-definidos. Assim a atividade física passa a ser denominada exercício físico, obedecendo aos fundamentos do treinamento desportivo, os quais podem ser divididos principalmente em intensidade, freqüência e duração 2,3.
Frente ao grande repertório de exercícios físicos para o movimentar-se humano, destaca-se a natação, que já foi reconhecida, na antigüidade, pelos gregos como uma das melhores formas de promover o desenvolvimento físico, e que, na atualidade, é considerada como um dos exercícios físicos mais completos, perfeitos e eficazes, por oportunizar a melhoria da resistência do sistema cardiovascular, bem como da força dos músculos em geral, ultrapassando o aspecto esportivo para ser utilizada como ferramentas para terapias, restabelecendo, conservando ou melhorando a saúde dos praticantes 4,5.
A prática da natação caracteriza-se por movimentos cíclicos, onde a execução repetitiva dos movimentos nos diferentes estilos de nados, realizados contra a resistência da água, pode ser associada a uma maior amplitude de movimento exigida pela melhor técnica, podendo fazer com que os graus de flexibilidade sejam modificados a partir da prática regular 6. Da mesma forma, também a coluna vertebral, suas curvaturas e o alinhamento de membros podem sofrer influência da pratica regular da natação, devido aos movimentos de flexão, extensão, deslizes e movimentos respiratórios constantes 7.
Estes fatores corroboram para que a natação seja cada vez mais utilizada também na reabilitação física, pois possibilita movimentos com impactos articulares bem menores que as atividades realizadas em contato com o solo, devido a realização no meio líquido, o que para muitos torna a sua prática mais prazerosa.
A partir desta prévia análise, objetivou-se com este estudo, verificar se um período de treinamento pode ser suficiente para exercer alterações significativas na flexibilidade nas articulações de ombro, quadril e tornozelo em praticantes de natação, seguindo a hipótese de que o treinamento de natação aumenta a flexibilidade de tais articulações.
Metodologia
Grupos de estudo
A seleção do grupo de estudo foi realizada de modo intencional, com a participação de 09 sujeitos, universitários jovens, do sexo masculino, com média de idade de 23,9 anos (+3,6anos), sem nenhum histórico de lesão ou disfunção neuromuscular ou esquelética, e com experiência de no mínimo dois anos de prática recreacional.
Os sujeitos eram advindos de um período de três meses afastados de práticas regulares de exercícios físicos, e foram submetidos a um período de 12 semanas de treinamento em natação.
Os sujeitos envolvidos na amostra do estudo assinaram termo de consentimento informado para participar do estudo, o qual descrevia os procedimentos para o estudo, aceitando submeter-se às avaliações e ao acompanhamento dos pesquisadores e permitindo a desistência das atividades em qualquer etapa do estudo.
Metodologia das avaliações
Os sujeitos foram submetidos à avaliação de flexibilidade através de goniometria, pré e pós período de treinamento (pré e pós-teste). As avaliações foram realizadas por um profissional com experiência na prática de goniometria, sendo realizadas nas dependências do conjunto de piscinas térmicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O horário (entre 18h e 19h) e a temperatura ambiente (entre 20º C e 22º C) na avaliação pós-teste foi similar a da avaliação pré-teste.
As mensurações de flexibilidade realizadas no grupo de estudo foram: flexão de ombro (FLE OMB), extensão de ombro (EXT OMB), abdução de ombro (ABD OMB), rotação interna de ombro (RI OMB) e rotação externa de ombro (RE OMB), flexão de quadril (FLE QUA) e extensão de quadril (EXT QUA) e flexão plantar de tornozelo (FLE PLA) e flexão dorsal de tornozelo (FLE DOR), seguindo o protocolo de goniometria 8 , para o hemicorpo direito.
Metodologia do treinamento
Durante 12 semanas, os sujeitos não praticaram qualquer outro exercício físico de forma regular senão a natação. O treinamento foi dividido em três sessões semanais, sendo constituído por exercícios abrangendo os diferentes estilos de nado, bem como seus educativos, divididos em séries, resultando em um volume semanal médio de 5800 m (+200m), para cada sujeito. Para promover a diversificação dos exercícios e a motivação dos sujeitos, foram utilizados diferentes materiais, como palmares, pranchas de flutuação, pés-de-pato e polibóias, visando o aprimoramento da técnica e aumento do condicionamento físico geral, seguindo um cronograma de atividades como qualquer outro tipo de treinamento de natação.
Todas as sessões de treinamento foram realizadas na piscina térmica semi-olímpica da Universidade Federal de Santa Maria, nas terças, quintas e sextas-feiras.
Para a prescrição da intensidade do treino de cada sujeito foi utilizada a freqüência cardíaca alvo9. Cada sessão de treinamento tinha a duração de 60 minutos, constituídos de 10 minutos de aquecimento, 40 minutos de atividades principais e 10 minutos de relaxamento. Durante o período de treinamento não foi prescrito nenhum treino específico de flexibilidade para a natação, sendo realizados somente alongamentos básicos no início e no fim das sessões.
Os dados obtidos foram submetidos à estatística descritiva sendo que também foi avaliada a porcentagem de alteração na flexibilidade para cada movimento articular avaliado no pré e pós-teste. A alteração na flexibilidade foi considerada significativa quando a variação alcançou valores iguais ou superiores a 5% em relação ao pré-teste.
Resultados
As articulações avaliadas foram a do ombro, quadril e tornozelo, por serem as principais articulações envolvidas na pratica de natação.
Observou-se que o período de 12 semanas de treinamento foi suficiente para promover alterações na flexibilidade de algumas articulações dos sujeitos estudados. Ao contrário da nossa hipótese inicial, nem para todos os movimentos o aumento na flexibilidade foi significativo.
Os resultados do pré e pós-teste e o percentual de variação são apresentados na Tabela 1 de acordo com os escores médios encontrados e porcentagem de alteração em pré e pós-teste para cada movimento analisada.
Tabela 1: Médias obtidas na avaliação de flexibilidade (º).
O sinal + indica aumento na flexibilidade e o sinal - indica diminuição na flexibilidade.
* Aumento significativo da flexibilidade em relação ao pré-teste.
** Diminuição significativa da flexibilidade em relação ao pré-teste.
Para melhor apresentação dos resultados, optou-se por uma apresentação individual de cada articulação, de acordo com os movimentos analisados.
Articulação do ombro
A flexibilidade na articulação do ombro, avaliada em pré e pós-teste está apresentada no gráfico 01. Percebe-se que houve aumento significativo na amplitude articular em todos os movimentos, exceto na rotação externa que permaneceu inalterada.
Gráfico 01: Flexibilidade na articulação do ombro, pré e pós-teste.
Articulação do quadril
A flexibilidade na articulação do quadril em pré e pós-teste, nos dois movimentos analisados está apresentada no gráfico 02. Nesta, observou-se um aumento significativo na amplitude de flexão na avaliação pós-teste. Gráfico 02: Flexibilidade na articulação do quadril, pré e pós-teste.
Articulação do tornozelo
A flexibilidade da articulação do tornozelo em pré e pós-teste, nos movimentos de flexão plantar e flexão dorsal estão apresentadas no gráfico 03. Para a articulação do tornozelo não se observou alterações na amplitude de flexão plantar, porém foi encontrada uma redução significativa da flexão dorsal ao término do período de treinamento.
Gráfico 03: Flexibilidade na articulação do tornozelo, pré e pós-teste.
Discussão dos resultados
A prática da natação torna seus adeptos possuidores dos maiores graus de flexibilidade obtidos com a prática esportiva 10.. De acordo com os resultados obtidos para o grupo estudado, pode-se sugerir que 12 semanas de treinamento, pode ser suficiente para promover alterações na flexibilidade da maioria das articulações avaliadas, principalmente em a articulação do ombro.
A flexibilidade da articulação do ombro se torna importante por evitar lesões como a advinda do pinçamento do tendão supraespinhoso e auxiliar na realização da técnica de uma forma menos perturbadora do equilíbrio do corpo na água 11., como por exemplo, na fase de recuperação da braçada do nado crawl, onde, para recuperar o braço e passá-lo por cima da água, sem tocá-la, um nadador com pouca flexibilidade seria obrigado a realizar uma maior rotação de seu corpo, efetuando um percurso de braço mais longo do que um nadador com flexibilidade maior 7.. Além disso, a flexibilidade de ombros facilita a recuperação da braçada no nado borboleta, e na fase de agarre do nado costas 4..
Os resultados encontrados neste estudo caracterizaram um aumento da flexibilidade de ombros, exceto para a rotação externa, sendo que tal fato pode ser justificado pelos escores elevados encontrados já no pré-teste. Com isso, pode-se sugerir que o treinamento acarretou em um melhor desempenho técnico refletido no aumento da flexibilidade.
Da mesma forma a flexibilidade na articulação do quadril dos praticantes de natação teve um aumento significativo no movimento de flexão, o que contribui para a melhoria da técnica, especialmente nos nados peito e borboleta 4..
Neste estudo, a flexão plantar não apresentou alteração significativa após o período de treinamento, isso pode ser explicado talvez pela grande amplitude já apresentada pelos sujeitos no pré-teste.
Conclusões
Os achados deste estudo demonstram que, para este grupo, a prática da natação durante um período de 12 semanas contribuiu para a melhora da flexibilidade, o que foi demonstrado pelo aumento significativo nos escores na maioria das articulações e movimentos que analisados. Na rotação externa do ombro, a não existência de variação no resultado do pós-teste pode ser explicada pela alta flexibilidade apresentada já no pré-teste, sendo que nos movimentos de flexão, extensão, abdução e rotação interna dessa mesma articulação um aumento significativo na amplitude foi encontrada.
Com relação à articulação do quadril conclui-se que o período de treinamento corroborou para um aumento significativo na amplitude de flexão, não exercendo efeito sobre o movimento de abdução. Por fim, na articulação do tornozelo não ocorreram aumentos na amplitude flexão plantar, ocorrendo, do contrário, uma diminuição significativa na amplitude de flexão dorsal, o que pode ser explicada em função da grande amplitude de flexão plantar encontrada no pré-teste, que parece ter influenciado o movimento de flexão dorsal, sendo também questões acerca de propriedades musculares influenciadores desse resultado.
Com base nesses resultados, infere-se que a natação pode ser utilizada como ferramenta para aumento da flexibilidade corporal na maioria dos movimentos das articulações do ombro, quadril e tornozelo, o que reafirma que a natação pode ser também, uma ferramenta eficaz na reabilitação física.
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